sábado, 10 de maio de 2008

QUANDO O AMOR CHEGAR...

Quando se propõe o aberto,
nem sempre fica claro o jogo de palavras,
nem sempre a coragem se lança sem escudos...
Quando se precisa falar,
quase sempre a dor sufoca a garganta,
quase sempre o som se esconde em cavarnas...

Houve entre nós um falar-aberto.
Hove riso, guiso, siso e outros isos...
Houve dor -lançada aos poucos- houve dor
Vivida, medida, sentida... mas lançada...
Houve entre nós um saber-maior.
Gritos e sorrisos soltos pelo ar, livres.
Vozes e silêncios dosados de paz eterna.
Houve um lugar-saber de nós
Houve um muro,
Houve pedra,
Houve o mar...
E nós, dançando a dança da verdade;
Nós, jogando com o limpo e o livre;
E nós passamos a nos saber...
Não o saber antigo de sorrisos soltos
Não o saber da pele - apenas superfície-
Mas o saber profundo de dores e raízes...
O saber de dentro: tripas, sangue, coração.
Houve um lugar para um saber-de-nós, lá dentro.

Foi como um laço, que nunca será desfeito.
Foi como o sol, quente, vivo e necessário.
Foi conseguido, adquirido, conquistado.
Foi acontecido e tem selo de eternidade...
"...mas foi tudo que eu quiz
te esperei tanto..."
(28 de janeiro de 1975)

terça-feira, 6 de maio de 2008

MOMENTOS DE TRISTEZA

Quando se tem uma vida cercada de carinho
envolta numa redoma constante, tudo é fácil...
Se você quer o que precisa
e num esticar de mão consegue, isso é bom...
Se alguém te sorri a todo instante,
um sorriso de dentro e franco, aí tudo bem...

Mas se você vive cheio de cuidados com pessoas
que num momento de distração de apunhalam;
Se você passa a sua vida ao lado de falso amigos
derramando sobre você o seu nojo;
Se você é obrigado a conviver com feras travestidas de gente
prontas para te devorar a qualquer instante;
Aí vai mal... você não deve sorrir.
Aí vai mal... você não deve falar.
Aí vai mal... você só pode calar.
Aí vai mal... você só tem que fugir.
(22 de janeiro de 1974)

GUARDEI PARA DEPOIS...

Guardei para depois
A vida
A dor
O amor
O mito...

Guardei para depois
A caça
A musa
O osso
A dor...

Guardei para depois
O riso
O pranto
O gozo
O grito...

Guardei para depois
O ontem
O hoje
O amor
Você...

Guardei para depois...
(21 de novembro de 1973)

O FIM DE UM AMOR

Foi aberta a porta da ternura não compreendida
Deitada sobre a placidez de um rosto vivo
Exalando por todos os poros a vontade de viver...
Libertou-se a borboleta sagrada, de alma desgarrada
Do encontro em desatino e procura constante
Vê-se no rosto a carícia sobre a fronte sofrida
Dentro de um corpo leve, solto, a flutuar, voar...

A verdade de uma existência presente e constante
Um sorriso claro e confiante de quem sabe que cativou
À primeira vista, uma mulher vazia e tola,
Mas no fundo um pessoa grande e bela
Que se mostra como é e por isso não é compreendida
E que a todos se dá e vive sem ser conhecida...

Mas no fundo do meu silêncio, no fundo da minha entranha
Te descobri e te vejo, não com os olhos de quem vê,
mas com os olhos de quem te enxerga
e enxergar é descobrir, e descobrir é amar...
E amar é teu destino
Mesmo que seja para deixar a dúvida
Mesmo que seja para fugir da briga
Mesmo que seja para viver sofrendo...

Sei que andastes triste estes dias
e tive vontade de te estender a mão
e te perguntar o que houve
mas tive medo de não ser compreendido...

Te admiro pela pessoa que você é
sem deixar margens para qualquer dúvida.
Hoje te confio essa minha admiração...
Pouco sabes de mim, por que pouco falo,
Não pretendo sair do meu anonimato.
Sou um encontro fraco de procuras
Mas terei eternamente em meu peito
A lembrança do teu caminho, hoje presente...
(16 de outubro de 1973)

domingo, 4 de maio de 2008

INSTANTE

Sob o calor da doce vida
O caos da voz sofrida
Dentro do peito vivo, a espera
de dores que antecedem ao riso.
Sob a viagem de volta ao nada,
A dor da ausência de sentimentos
Ao lado, alguém que já foi vida
Hoje um animal que rasteja e grita:
"-Eu vivo!"
(23 de agosto de 1973)

MEU PROTESTO

Porque me tirar daquele lugar quentinho?
Porque me cuspir das entranhas, bruscamente?
Porque me atirar no claro da vida?
-Será isso vida?-
Não será vida, viver num lugar pequeno e quentinho
sem ferir ninguém, sem incomodar ninguém?
Não será vida, não ouvir palavrões,
nem ver misérias, traições, corrupções, violações?
Porque me atirar nesse pântano de pessoas movediças,
que a todo instante procuram te engolir?
Porque me atirar nesse lugar cheio de olhos,
cheio de mãos, de gestos, de cuidados?
Porque?
Será que não percebem que sei me defender sozinho?
Porque me ensinar a sorrir, se a todo instante
ouço berros, barulhos, buzinas ... e me assusto?
Porque insistem em me fazer falar?
Será para aprender a ofender as outras pessoas?
Será para me defender dos que tentarão me comprar?
E agora eu pergunto: "-Será isso vida?"
É por isso que eu choro!
por isso que eu vou chorar sempre!!
Está lançado o meu protesto...
...e não adianta me ninar!!!
(o4 de junho de 1973)

SÓ, COMIGO...

Foi cedo...
Eu estava feliz, meu corpo bem disposto,
minha matéria em paz...
Eu sorria...
Um riso franco e aberto.
Em cada parte do meu corpo estava claro: alegria!
Era cedo...
eu sorria... em cada gesto e em cada palavra
estava clara a minha felicidade...
Tomei distância de mim e fiquei a me olhar...
Espantei-me e não contive a pergunta:
"-Esse sou eu?"
Limpei bem os olhos e tornei a me perguntar:
"-Quem és tu, sou eu?"
Ao sentir tal indignação, parei e me fiz eu mesmo
para que pudesse melhor me ver...
Fo assim, entre cinco ou seis pessoas,
que eu me vi frente a frente comigo:
"-Que fazias a rir junto a todos?"
"-Estou feliz e tudo em mim é alegria..."
"-...e pra mim você diz isso?"
E assim eu vi que nem em mim eu confiava...
Resolvi confiar e me me desnudei por inteiro.
Vi contrastes enormes...
Eu era pequeno demais para tristeza tão grande.
Eu tinha um coração quase invisível pr'um amor imenso...
Eu tinha tão pouca água pr'um deserto maior a enfrentar...
Eu me via tão belo por dentro,
para esse monstro que todos vêem...
sim, eu sou belo!
Essa matéria horrenda é que me impede
de mostrar a minha beleza em toda a sua plenitude...
e me vi triste...
Percebi que meus olhos nunca tiveram brilho e me frustrei...
Vi que os meus lábios nunca disseram
o que de fato queria dizer e me senti desnecessário...
Vi que meu coração já não batia, apanhava...
Porque meus braços só faziam gestos obcenos?
Porque minhas pernas só caminham
no sentido contrário às minhas vontades?
Eu estava sozinho e queria gritar...
Foi quando lembrei de você...
Você que consegue transformar tudo isso.
Você minha fadinha, com sua varinha mágica...
Onde estavas? tão longe...
Talvez tão perto, mas muito distante...
Queria ouvir sua voz, suas opiniões,
seu jeito de rir, sua maneira de falar...
Você ao meu lado... viva, toda presença !!
toda ternura, toda carne-e-osso, toda carinho...
Por que eu preciso de carinho, sabe?
Uns precisam de água, de pão, de dinheiro.
Eu preciso disso tudo, mas preciso mais de carinho...
Por um momento voltei a me sentir feliz
...e quiz deixar tudo e ir te procurar
fosse onde fosse, estivesse onde estivesse...
...mas cinco ou seis que estavam a me chamar
e eu sorri.
Estava na hora de recomeçar a não ser eu...
(23 de maio de 1973)